Queridos amantes da Madre, meu nome é Winnie e sou criadora do projeto Leia Preta Leia, parceiro da Editora Madrepérola. A Leia Preta Leia é um lugar onde sempre falamos sobre literatura significativa e empoderadora. Porque acredito que cultura e educação são as melhores ferramentas para combater a desigualdade e empoderar pessoas. E falando sobre empoderamento, dia 25 desse mês é o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e, por isso, nesse mês hoje quero falar um pouco sobre um livro que pode ser considerado uma leitura básica sobre Feminismo Negro Brasileiro e as questões que a mulher negra enfrenta na sociedade. É o caso do livro Quem Tem Medo de Feminismo Negro (2018, Cia das Letras), da filósofa Djamila Ribeiro.
Quem Tem Medo de Feminismo Negro foi publicado em 2018 e é uma coletânea de 37 artigos e ensaios, escritos por Djamila, principalmente para o blog da Carta Capital entre os anos de 2014 e 2017.
Nesses artigos, Djamila escreve criticamente sobre assuntos atuais que tratam sobre racismo como, por exemplo, o caso das injúrias raciais cometidas contra o goleiro Aranha, que ela usou como pano-de-fundo para falar sobre estereótipos racistas. Ou mesmo, no caso da crítica às cotas raciais em universidades.
Em Quem Tem Medo de Feminismo Negro, Djamila fala de questões feministas mais amplas, como a polêmica da matéria da Veja de 2016 que se referia a ex-primeira-dama Marcela Temer como “Bela, Recatada e do Lar”. Além de polêmicas mais antigas como a fetichização da mulher negra, usando o exemplo da Globeleza. Outros assuntos são a miscigenação racial e a “diluição” da nossa raça rumo ao apagamento completo; o preconceito religiosos contra religiões de matriz africana; ou a desumanização da mulher negra, usando o exemplo das piadas sexistas cometidas por Eduardo Paes em Agosto de 2016, contra uma mulher negra moradora de uma nova unidade habitacional de Interesse Social.
O livro como um todo é excelente, mas a parte em que encontrei mais força foi na Introdução, capítulo chamado de “A Máscara do Silêncio” que foi escrito exclusivamente para o livro. Me identifiquei nessa introdução com a infância dela e o sofrimento; o machismo do pai, um homem de esquerda, estivador militante trabalhista, sindicalista, mas que maltratava e silenciava sua mãe em casa. Também me identifiquei com sua educação solitária em escola de brancos, baseada no bullying e no desejo de querer alisar o cabelo e ser “mais branca”. Aceitação pela mimetização pelo padrão de beleza branco.
Máscara do silêncio se refere às máscaras que as pessoas escravizadas eram obrigadas a usar sobre a boca, impondo silêncio (sobre o assunto, indico Amada, de Toni Morrison). Mas também é uma metáfora para o silenciamento sofrido por mulheres brancas e, principalmente, não-brancas ao longo dos séculos e até hoje. E, para Djamila, o silenciamento das mulheres negras é ainda mais intenso, porque ocorre, muitas vezes, dentro do próprio movimento feminista, quando o feminismo branco hegemônico prefere ignorar que mulheres diferentes sofrem de maneiras diferentes diante do patriarcado.
“Nossa fala estilhaça a máscara do silêncio!” Conceição Evaristo
Os documentos da escravidão foram queimados, então a maioria de nós, negros e afrodescentenes, não sabemos de onde viemos. Não saber de onde viemos reduz nossa ancestralidade que pode ajudar as nos empoderar. Por isso, fica mais fácil vestir a máscara do silêncio.
Nesse livro, Djamila também fala muito de seu amor por Toni Morrison. A literatura de Toni nos coloca nessa posição de destruir a máscara, pois vemos a figura da pessoa negra e da mulher negra, como protagonista de sua própria história e sem mediação. Foi justamente por ler uma entrevista de Djamila Ribeira para a Carta Capital em julho de 2019 que eu também me apaixonei pela literatura de Toni e hoje sou uma grande fã, já tendo lido uns quatro livros dela.
E assim, Djamila também da “força da mulher negra”, como um mito de desumanização. A mulher negra como animal de carga que é forte e resiste aos maus-tratos, à rotina extenuante, à violência diária, sexual, física, emocional e até obstétrica. Isso tudo sem se curvar e com um sorriso no rosto. Como se o sofrimento fosse uma marca que a mulher negra carrega em seu DNA.
E por isso, Djamila trata essa força mítica como um reflexo. A mulher negra é forte porque está nas camadas mais desprivilegiadas; porque está muitas vezes na posição do cuidado, do servir; porque o Estado é omisso; porque ela enfrenta uma realidade violenta. E assim, ela internaliza o arquétipo da guerreira que tem a resiliência de aceitar tudo como vem e resistir a tudo. Sem quebrar. Ou reclamar.
Outros assuntos que encontramos no livro são: a valorização dos diferentes saberes e a descolonização do pensamento; a necessidade de questionar a epistemologia eurocêntrica e aceitar outros saberes populares, tradicionais e ancestrais (como o exemplo de sua avó benzedeira).
Por fim, o livro de Djamila parte da ideia do Feminismo Negro, incorporada pela escrita de Sueli Carneiro de que “as mulheres não são um bloco único”, elas têm ponto de partida diferentes e, por isso, não devemos universalizar a categoria mulher. E, assim como diria Grada Kilomba, se a mulher branca é o Outro do homem branco (Simone de Beauvoir), a mulher negra é o Outro do Outro.
Recomendo o primeiro texto, ainda de 2014, que fala sobre o humor baseado no “politicamente incorreto”, que pode ser traduzido como aquele humor que usa de figuras inferiorizadas, minorias e preconceitos para fazer graça. Seja piada de preto, de loira, de LGBT, de anão. “O mundo perdeu a graça”, eles dizem, mas é porque eles perderam a graça, já que o mundo de hoje não aceita esse humor preconceituoso que é fácil demais.
Djamila cita Sartre quando esse disse que o humor deveria ter sofisticação. Deveria servir para fazer críticas à sociedade e “dar um soco no estômago do opressor” e não para legitimar a opressão e as elites. E o humor sempre foi ferramenta de sátira contra aqueles que estão no poder e na posição da opressão e para mostrar a hipocrisia. Um exemplo é Gil Vicente no Auto da Barca do Inferno, ou Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida, ou mesmo em exemplos atuais como a dinâmica da série “Todo Mundo Odeia o Chris” produzida pelo humorista Chris Rock.
Outro texto que recomendo é “Falar de Racismo Reverso é Como Acreditar em Unicórnios” que é maravilhoso. E serve para explicar para a branquitude, que às vezes gosta de dizer que sofre racismo por ser branco, entender que isso não é possível. Não se pode confundir racismo com injúria racial, embora os dois tenham relação direta. Racismo é sobre um sistema estrutural que coloca brancos no topo e na posição da opressão. E nesse texto, Djamila deixa isso bem claro.
“Quem Tem Medo de Feminismo Negro” também funciona como uma fonte para diversa outras leituras. Abaixo relacionei algumas das leituras que Djamila recomenda em seu livro:
Com este texto espero inspirar você a perder o seu receio com o feminismo negro hoje e a valorizar a produção e as vidas de mulheres negras brasileiras e latinas. E à elas envio uma mensagem de empoderamento e força. Saúdo vocês, minhas irmãs, que florescem todos os dias mesmo dentro das adversidades promovidas pelo combo patriarcado-racismo-capitalismo e que produzem ciência, cultura, arte e política! Porque todos os dias nossas VIDAS NEGRAS IMPORTAM.
Mulheres pretas com orgulho !
Winnie Pereira é leitora parceira da Madrepérola, arquiteta e artista nas horas vagas que ama literatura mais do que tudo e também adora cinema.
“Meu amor pela literatura nasceu antes de mim. Na barriga de mamãe já era embalada pelo poder das palavras. Era ninada pelas vozes suaves de autoras e autores enviando suas mensagens como pássaros pelo ar. Aprendi a ler repetindo esses sons mágicos. Cresci com o nariz grudado nos livros, até a miopia me fazer afastar um pouco os olhos das páginas. Mas vou viver para sempre dentro dessas páginas mágicas, que nos guiam, inspiram, empoderam e modificam. Para Sempre.”