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Gente que queima alma e cospe água (Desabafo sobre o dia do escritor)

Passei uns cinco ou seis anos escrevendo quase que ininterruptamente, entrei e saí de relacionamentos não muito sadios, bebia demais, carregava certa revolta no peito e melancolia excessiva na mente, o que colaborou e muito para um dos períodos mais produtivos que já tive, produzi material para uns três ou quatro livros de poesia, alguma coisa de contos e iniciei, sem sucesso (ainda), dois romances. Eu escrevia feito louco, em qualquer lugar, sob o efeito de qualquer coisa, mágoas, ódio, amor, álcool, felicidade e as vezes um pouco de tudo misturado.

Com o passar desses anos vi a questão da literatura mudando de figura, redes sociais, instagram, poesia em vídeo, e o caralho a quatro, mas não dei muita importância para o assunto, apenas fiz uma página no facebook para salvar minhas coisas lá e conheci outros escritores de todas as partes do Brasil. Dei uma pausa e resolvi começar a organizar os poemas que havia escrito em livros. Montei o primeiro e resolvi caçar uma editora para lança-lo. Se você acha que escrever é o principal, vai descobrir com um gosto amargo de veneno na boca, assim como eu, que está longe de ser.

Passei um ano sendo rejeitado por algumas editoras, ignorado por outras e algumas queriam minha alma, meu dinheiro, minha obra e meu rabo. É chato pra caralho, uma editora te chama para uma reunião e você sente sua alma brilhar, seu sangue ferver, sua libido pronta para arrombar o mundo todo. Você chega na reunião, eles te oferecem um almoço, ou um café, e você não aceita, daí a pessoa que seria responsável pela edição do seu livro te faz a proposta.

— Então Saulo, seria R$ 5.000,00 para você lançar seu livro com a gente e você recebe 50 exemplares. — Abaixe as calças e abra a bunda em 1..2…3.

— Ahh, ok? Cinco mil reais? Entendi. — Eu tentava manter o rosto mais sereno possível, mas sentia as veias dos meus olhos pulsando.

— Você tem certeza que não aceita nada? — Que piada.

— Aceito umas dez cervejas num balde, vamos conversar. — Era preciso.

Ela arregalou os olhos quando pedi o balde e ia bebendo rápido demais enquanto escutava ela falar sobre diagramação, capa, elogiou minha obra marginal, me comparou com os grandes e bla bla bla. Acabei com o balde, me despedi e solicitei que ela me enviasse o modelo de contrato para o meu e-mail, na esperança de algo estar errado na boca dela e algo certo na digitação. Saí sem almoçar da editora e fui encher a cara na Lapa.

Peguei um ônibus e tentei dormir, mas estava bêbado e revoltado, escrevi um poema malcriado e bem ruinzinho no caminho, algo sobre duas universitárias conversando sobre o universo no bar da Lapa. Cheguei em casa e abri o e-mail, não havia porra nenhuma de errado, era aquilo mesmo, cinco mil pirocas no meu cu por cinquenta boquetes. Loucura do cão, por que eu havia escolhido aquela merda para minha vida? Ou aquela merda havia me escolhido? Ou nós apenas nos abraçamos no desconhecer da noite? Vai saber.

Continuei minha busca por editoras, apareceu uma de Portugal cobrando ainda mais caro para lançar, quase desisti, cheguei perto de tacar fogo em tudo, mas não o fiz, parei um pouco de escrever e comecei a revisar o livro que sempre tinham novos erros que eu não havia percebido. No meio de uma dessas correções recebi um e-mail de uma editora de Londrina-PR, um pedaço de paraíso na terra chamada Editora Madrepérola, que estava interessada em lançar o livro e o que me convenceu foi o fato do e-mail não estar em “resposta automática”, o editor realmente havia lido o meu livro e realmente havia gostado do que leu! Minha sorte estava mundando. ERA MINHA HORA PORRA!

Conversamos, negociamos e lançamos o livro de poemas malucos “Um marginal que voou baixo demais”, um sucesso, casa lotada, vendi quase todas as 150 cópias que eu tinha no mesmo dia. Mas se você acha que escrever e achar uma editora é todo o trabalho de parto, saiba que ainda nem começou. Você tem que vender, se promover, ir pra evento literário, passar pela lamúria de declamar suas poesias para 10, 15, 20, 50, 100 pessoas. Essa é a pior parte, você tem que virar um produto e um marqueteiro de si próprio. Eu não sabia direito quem eu era, mas tinha que tirar alguma coisa da minha cabeça quebrada e virar uma vitrine, nem que os vidros estivessem sujos.

Eu vendi todas as minhas cópias do livro, mas a editora ainda tem bastante para vender e se você não vender, você não é lido. Dinheiro? Esquece, se você ganhar dinheiro com sua literatura me liga e vamos conversar. Um dia quem sabe, ainda tenho esperanças, e é ai que chego no ponto que quero chegar.

Chegamos no período atual. O mercado está em crise, mas vejo uma pá de gente fazendo sucesso nas redes sociais, e depois migrando pros livros, ao invés de ser o caminho contrário, sucesso nos livros e depois nessa porra toda de zero e um. Sucesso no youtube com vídeos falando merda, dois milhões de seguidores, vira best seller. Sucesso no instagram fazendo pequenos textos e versos em fotos, um milhão de seguidores, best seller ou quase isso. Ou então livros que seguem a linha de cinquenta tons de cinza que estão sempre entre os mais lidos da Amazon. Quando digo sempre, É SEMPRE! Pode entrar lá hoje, que você está lendo este texto e conferir.

Não estou reclamando, só destacando fatos, mas a gente segue tentando, as vezes aparece um maluco qualquer (todo escritor é) e faz um sucesso com uma literatura diferente e de qualidade e que você, autor, gostaria de ler, um exemplo é o “Sol na Cabeça” do Giovanni Martins. É sempre bom ver alguém fazendo sucesso com algo que presta do que com algo que não presta em NADA. Isso dá um novo gás para quem quer viver nessa estrada maluca.

Agora estou numa batalha ferrenha para lançar o meu segundo livro de poemas junto com uma agente literária que parece que caiu do céu no meu colo, e vou cair de cabeça mais uma vez, mais uma tentativa, mais uma queda, mais uma pancadaria, mais, mais e mais, é preciso ter sangue pra sangrar, mas pra estar vivo também, então vamos.

Confesso que estou tentando enveredar para todo esse lance de rede social, texto pra instagram, angariar seguidores pra cacete, ter sucesso nessa porra pode ser um caminho e pra qualquer pessoa que escreve, um caminho é sempre um caminho a ser seguido. Não estou obtendo sucesso, comecei faz pouco tempo, meus textinhos em fotos não são lá grandes coisas, até por que eu não gosto de escrever assim. Gosto de sentar e deixar fluir tudo de uma vez e geralmente flui bastante e os poemas saem um tanto quanto grandes, porém verdadeiros como a morte.

Me vejo quase que obrigado a obter todo esse sucesso no mundo binário para tentar um sucesso com a literatura, que é o que mais importa no final das contas. Esse é preço? Eu pago! Não sei fazer outra coisa da vida, ou até sei, mas não quero fazer. Sou teimoso.

Escrevemos, queimamos as pontas dos dedos com as labaredas nossas palavras, sofremos como poucos, amamos também, vivemos tanto que só nossa mente não tem capacidade de armazenamento o suficiente e escrevemos, escrevemos e escrevemos.

E se você acha que para por ai, também está muito enganado. Se um dia eu descobrir o que vem depois de tanta luta sangrenta, e redes sociais e editoras e lançamentos e etc… eu te conto!

Saulo Florentino

Saulo Florentino é carioca, um sonhador melancólico com tendências autodestrutivas. Uma carne assada velha prostrada na vitrine de um bar também velho. Escreve desde os oito anos e nunca parou, pois era preciso, sempre foi preciso escrever. Achou que o mundo acabaria antes de lançar a primeira obra ou que morreria antes dos trinta. Como nada disso aconteceu está escrevendo mais e mais, antes que o mundo lhe extinga a alma e sua vida siga monocromática com seus olhos refletindo 0 e 1.  ​É autor do livro “um marginal que voou baixo demais”, publicado em 2017 pela editora Madrepérola

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